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A psicanálise é para mim?

Atualizado: 20 de jul.

Um lindo pássaro deixa seu ninho em busca de comida para seus seis filhotes. Segundos depois, uma cobra sorrateiramente se aproxima e num rápido e eficaz ataque, abocanha e devora um deles, desaparecendo a seguir. Minutos depois, a mãe retorna ao ninho e ao perceber a ausência de um dos filhotes, parte do ninho para nunca mais voltar abandonando os demais à pura sorte e é claro, à morte.


O pássaro abandona os filhotes porque percebe que o risco de manter a ninhada naquele local é alto demais e dificilmente ele conseguirá garantir sua sobrevivência. É mais sentato partir e tentar uma próxima ninhada em um local mais seguro.


É assim que funciona a mente dos animais. Eles agem movidos por impulsos, algo que os convoca à ação, disparado por sensações no corpo e percepções do ambiente. Esses impulsos são chamados de “instintos”. Os instintos dos animais são essenciais à sua sobrevivência e reprodução: sentir fome, sede, frio, calor, medo e buscar o acasalamento são exemplos. Se não existissem, os próprios animais não existiriam.


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Mas o ser humano tem uma característica que o diferencia dos outros animais — e não me refiro à capacidade de pensar, afinal, não sabemos de fato, se os animais são ou não capazes de elaborar pensamentos.


De qualquer forma, o bicho humano difere dos outros bichos. Ele busca prazer, mesmo quando isso não está diretamente ligado à sobrevivência.


Se sentimos sede, não nos contentamos apenas em beber água. Saímos em busca de um suco de frutas, um refresco de tangerina com gelo, um refrigerante daquela marca famosa, um vinho malbec da Argentina, uma cerveja artesanal… Tentamos matar a fome comendo, mas não é só comer — e nem só quando temos fome. Também queremos comer aquela pizza deliciosa, muito cara, que só tem naquela pizzaria do outro lado da cidade, que nos faz lembrar da infância e tem um sabor que a gente nunca esquece.


O ser humano quer sempre mais. Como diz a música "Comida", dos Titãs:


Bebida é água

Comida é pasto

Você tem sede de quê?

Você tem fome de quê?


A gente não tem só sede ou só fome. Tem sede e fome de alguma coisa.

Passamos nossas vidas atrás do que dá prazer e fugimos do que provoca desprazer.

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Trabalhamos porque precisamos, é claro, mas sempre tentamos encontrar um trabalho que nos traga algum prazer, assim talvez misturar a obrigação com algo que nos divirta, deixe o trabalho mais prazeroso. Ainda assim, se pudéssemos escolher, talvez preferíssemos estar deitados numa rede, olhando o pôr do sol.


O problema é que nem sempre conseguimos evitar o sofrimento. Às vezes, sem entender por quê, repetimos comportamentos que nos machucam: entramos nos mesmos relacionamentos ruins, tomamos as mesmas decisões equivocadas, reagimos de formas que só nos prejudicam ou ferem quem amamos. Sofremos e não sabemos o motivo. Sentimos raiva, medo, inveja, culpa, e não conseguimos explicar de onde isso vem.


Outras vezes, o sofrimento aparece no corpo: sentimos dores de cabeça, dores nas costas, problemas digestivos, sintomas que parecem não ter explicação. Há também quem se sinta perseguido, quem escute vozes ou veja coisas. Há quem tenha a sensação de viver em outro mundo.

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É mesmo, o ser humano é complicado. E quando coisas assim acontecem, fica muito difícil encontrar uma saída ou um conforto. Muita gente passa a vida inteira presa nos mesmos erros, como se houvesse dentro de si uma parte que toma decisões sem o seu consentimento. É como se existisse um “eu oculto”, ou uma cobra malvada que surge sorrateiramente, devora seus filhotes e depois desaparece, deixando só um rastro de dor.


Diferente do pássaro, que parte para a próxima tentativa, nós humanos tentamos resolver. Buscamos ajuda. Mas temos a sensação de que esse “eu misterioso” se esconde num canto inacessível da mente — e, depois de um tempo, tudo volta a se repetir.


Isso acontece porque nossa mente não é feita só da parte consciente — essa que está aqui e agora lendo este texto, pensando e entendendo o que está escrito nas minhas palavras. Existe também uma parte inconsciente, onde vivem nossos conflitos mais profundos, as dores não elaboradas, os medos, as repetições.


No final do século XIX, um homem percebeu que muitas pessoas sofriam exatamente assim. Dedicou sua vida a entender o que se escondia por trás desses sintomas e criou uma técnica para acessar essa parte oculta da mente.

Essa técnica se chama Psicanálise. E o homem que a inventou foi Sigmund Freud.


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Quando duas pessoas se encontram e, por meio da psicanálise, um espaço de fala e escuta é criado, torna-se possível olhar para dentro da própria história, compreender o que antes parecia inacessível, dar nome ao que se repetia no escuro. E aos poucos, algo se reorganiza. Os sintomas perdem força, a vida ganha espaço. É possível sofrer menos, ou pelo menos, sofrer de maneira mais digna, como diria Contardo Calligaris.


Psicanálise não se trata do que o analista diz, mas sim do que você se torna capaz de dizer e elaborar dentro da sessão de análise.


Por isso, quando alguém pergunta: "Psicanálise é para mim?", a resposta é simples: sim. Porque, assim como a psicanálise, você é humano.



 
 
 

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1 comentário


Texto leve e gostoso de ler, bem sintético e feliz, parabéns!

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